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Recife e Olinda

Em Olinda, blocos feministas saem às ruas contra o machismo

Bloco Vaca Profana foi criado em 2015 pela produtora de cinema Dandara Pagu, repreendida na rua por um policial por vestir uma fantasia que deixava os seios à mostra - Beto Figueiroa
Bloco Vaca Profana foi criado em 2015 pela produtora de cinema Dandara Pagu, repreendida na rua por um policial por vestir uma fantasia que deixava os seios à mostra Imagem: Beto Figueiroa

Mateus Araújo

Colaboração para o UOL

20/01/2017 10h35

A luta contra o machismo também tem espaço no Carnaval de Pernambuco. No desce e sobe das ladeira de Olinda, os blocos feministas saem às ruas levantando estandartes em defesa da igualdade e do respeito.

Criado em 2013, o Ou Vai ou Racha é um dos mais conhecidos da folia olindense. Ele sai na terça-feira de Carnaval, às 13h, e surgiu de uma brincadeira entre um grupo de amigas parodiando a palavra “racha”, expressão utilizada para se referir a mulheres (lésbicas, bissexuais e heterossexuais). “Começamos a fazer paródias de músicas. Uma das primeiras foi da canção ‘A Rosa’, de Chico Buarque. Trocamos o verso “arrasa com meu projeto de vida” por “ser racha é o meu projeto de vida”, lembram as fundadoras.

O que era brincadeira se tornou um bloco; e o engajamento político das suas integrantes fez dele um bloco carnavalesco lésbico/bissexual e feminista, afirmam elas. Neste ano, o Ou Vai ou Racha desfila em Olinda não só pela militância de gênero como também contra o “golpe que se consolida no Estado brasileiro”, o racismo, a transfobia e o capitalismo. “Apostamos que a visibilidade de nossa sexualidade não heteronormativa explícita nas ruas incendeia nossos sutiãs de lantejoulas, energiza nosso nague de purpurina, e corrói a lesbofobia, bifobia e transfobia, que são derivadas do machismo”.

Outro bloco feminista é o Essa Fada, cujo título é um trocadilho com a fantasia de personagem meiga e frágil e a frase “és safada”, para satirizar o imaginário machista e sexista, segundo suas fundadoras. “A ideia do bloco é chamar atenção para a naturalização do comportamento sexual da mulher, não só no Carnaval, mas durante todo o ano”, explica a jornalista Geisa Agrício, integrante do grupo.

O Grêmio Anárquico Feminístico Essa Fada, como se chama oficialmente o bloco, desfila na segunda-feira de Carnaval, em Olinda, ainda sem um lugar definido porque é “um grupo anárquico”. No dia 22 de fevereiro acontece a prévia, comandada pela cantora e bailarina Flaira Ferro, na Casa Astral. Ele foi criado em 2015, como uma mobilização contra os abusos sexuais e os assédios sofridos por mulheres, não apenas nas festas como no dia a dia. “O machismo reforça o pensamento equivocado de que a mulher que está na brincadeira no Carnaval é ‘naturalmente’ disponível para o jogo sexual. ‘Se está ali, está querendo (sexo)’, ‘se está de roupa curta, está a fim (de transar)’”, exemplifica Geisa.

A agremiação também serve como uma maneira de conscientizar as pessoas sobre a liberdade de corpo e de escolhas. E iniciativas como esta, afirma a jornalista, tem aos poucos mudado o comportamento dos foliões machistas. “Recentemente, nos contaram uma história peculiar: nas prévias de Olinda, um grupo de rapazes tentou pressionar uma moça a beijar um cara. Eles gritavam “beija, beija”. Aí parte da multidão respondeu com outro grito, ainda mais alto: “se ela quiser, se ela quiser””, conta Geisa Agrício. “Que orgulho!”

O Essa Fada também virou uma espécie de selo de eventos e projetos com o mote feminista. No ano passado, o grupo realizou o lançamento mundial da turnê do Ladama Project, projeto feminino com instrumentistas de diversas partes das Américas. E em dezembro, o bloco fez uma prévia para o Carnaval com show de mulheres artistas, incluindo as cantoras Karina Buhr e Isaar.

Foi também 2015 que a produtora de cinema Dandara Pagu teve a ideia de criar o bloco Vaca Profana, após ser repreendida na rua por um policial porque estava com uma fantasia que deixava seus seios à mostra. “Eu estava vestida de vaca. Uma máscara, um short malhado e os peitos de fora pintados de glitter. O policial quis me proibir porque disse ser atentado ao pudor. Perguntei a ele por que os homens que estavam sem camisa não eram repreendidos também”, lembra Dandara. A situação gerou polêmica no Recife e uma campanha com várias mulheres vestidas de Vaca Profana foi criada nas redes sociais, em apoio à produtora.

No ano passado, Dandara e um grupo de amigas colocaram o bloco na rua, nas ladeiras de Olinda. “Nos juntamos com outros blocos e com uma orquestra de frevo e saímos. Éramos sete mulheres vestidas de vaca, e no meio do percurso outras mulheres foram entrando. No final, éramos 30”, conta.

O que começou como um improviso, em 2017 tende a ser ainda maior e organizado, garante a produtora. “O mote deste ano é ‘Nosso Corpo, Nossa Luta’, contra a hipersexualização da mulher e os padrões de corpo e beleza”, diz ela. “ A gente quer falar da liberdade não só de tirar a roupa, mas das questões de autoestima. Para a gente é legal que tenha todo tipo de corpo e cor. Não é só o peito. É a liberdade de ser o que quer ser. O Carnaval também pode ser um palco reivindicar os direitos das mulheres.”

O Vaca Profana lançou uma campanha de financiamento coletivo, para arrecadar verba não somente para o desfile do bloco – que será na segunda de Carnaval, a partir da 13h – como também para o evento Mostra que É Feme, programado para acontecer no Recife de 8 a 12 de março. A mostra é uma extensão do bloco, que promove debates e uma feira de empreendedorismo feminino. “Nossa ideia é também levar palestras para escolas públicas, sobre feminismo.”

No dia 10 de fevereiro, as vacas profanas fazem a prévia para o Carnaval. A festa começa às 22h, na sede do bloco, no Varadouro, Olinda, ao som de DJs – todas mulheres.