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Blocos de rua

Blocos não oficiais lutam pelo fim da burocratização do Carnaval do Rio

7.fev.2016 - Leandra Leal, figura sempre presente no Carnaval, se fantasia de pirata e curte o bloco Boi Tolo no centro do Rio de Janeiro - Reprodução/Instagram/leandraleal
7.fev.2016 - Leandra Leal, figura sempre presente no Carnaval, se fantasia de pirata e curte o bloco Boi Tolo no centro do Rio de Janeiro Imagem: Reprodução/Instagram/leandraleal

Michele Miranda

Colaboração para o UOL

07/02/2017 04h00

Os números do Carnaval do Rio de Janeiro impressionam: em 2017 a expectativa é de receber 1,5 milhão de turistas, reunindo um total de cinco milhões de foliões, segundo dados da Prefeitura carioca. O entretenimento vai além dos desfiles na Sapucaí e dos 577 blocos de rua oficiais, aqueles que são autorizados pelos órgãos públicos. Existe, ainda, um circuito que luta pela espontaneidade aos moldes da origem do Carnaval de rua, sem trajeto definido, preservando a cultura das marchinhas de antigamente e é contra a “burocratização” da festa, como seus representantes costumam dizer: são os blocos não oficiais.

“Não somos um bloco, mas um grupo de pessoas que se junta para tocar ocasionalmente. Oficializar o bloco, para nós, é tão longe da ideia de Carnaval que fazemos, presumir trajeto, repertório, logística não funcionaria no nosso esquema. A diversão está em não saber o que vai acontecer, no improviso. A gente passa 361 dias do ano sabendo a hora que vai acordar para trabalhar, as contas que tem para pagar e são só quatro dias no ano para brincar de improvável, então vamos aproveitar”, diz Aurélio Aragão, um dos fundadores do bloco "Secreto". “Tenho a sensação de que cada vez mais pessoas buscam blocos não oficiais porque é a chance que elas têm de fugir das regras”.

Driblando a prefeitura

O bloco “Secreto” foi batizado assim pelos foliões, porque a cada ano eles se reinventam com nome, tema, local e horário diferentes. E a informação só é divulgada na hora. Ainda assim, a turma, que conta com cerca de “40 integrantes no grupo do Whatsapp”, reúne cerca de dez mil pessoas pelas ruas do Centro do Rio. Nascidos em 2005, sob nome de Se Melhorar Afunda, o bloco é criativo até na hora de despistar as autoridades. Em 2010, fantasiados de reis e rainhas, eles compareceram à prefeitura, à polícia militar e a todos os órgãos públicos necessários munidos de toda a papelada exigida para se fazer uma manifestação política em prol da monarquia. Tudo balela só para manter o bloco na rua…

“Como a burocracia para sair como bloco de Carnaval havia aumentado naquele ano a gente se batizou como um movimento de renovação monarquista e fingimos que se tratava de uma manifestação política. Foi mais fácil de conseguir a autorização assim. Quando as autoridades descobriram, morreram de raiva da gente”, relembra Aragão. “Uma coisa importante para nós é promover a ocupação do espaço público da cidade com mais pessoas do que regras. Acho ótimo que tenham ‘editalizado’ o Carnaval! Porque quanto mais regras o Carnaval tiver, mais a gente pode subverter. Neste ano vamos sair como o Bloco Sincreto, uma menção ao sincretismo nosso prefeito e bispo Crivella. Você escolhe sua crença e vai!”.

Blocos não oficiais

Como o nome diz, não existe nada de oficial sobre esses blocos: A quantidade de pessoas que eles reúnem, a hora que o cortejo começa, a hora que acaba, o repertório. Um dos blocos mais queridos entre os foliões é o Cordão do Boi Tolo ou conhecido intimamente como o bloco que nunca acaba, já que ele costuma começar às 7h da manhã do domingo de Carnaval, na Candelária, e pode ser visto às 3h da madrugada seguinte ainda circulando pela Praça São Salvador, no Flamengo, ou arredores. Estima-se que o bloco, que conta com 300 integrantes, reúna mais 50 mil pessoas no seu cortejo. 

“O Boi Tolo é um movimento de liberdade do Carnaval, uma reunião de pessoas que gostam de carnaval espontâneo. Essa é a nossa ideologia, de ocupar o espaço público sem a privatização do carnaval, de forma organizada, sem violência, sem depredar o VLT, nem o Museu do Amanhã, cuidando do nosso patrimônio”, explica Eduardo Pereira, um dos fundadores. “O Carnaval não foi criado com essas regras, de circuito de blocos como em Salvador, patrocínio de cervejas em que só uma marca pode ser vendida. Ninguém recebe para tocar no Boi Tolo, não existe uma estrutura financeira para nos bancar. Quem quiser tocar com a gente, é só chegar. Nosso bloco se mantém pela própria vontade de pular Carnaval. É uma situação difícil pra gente que gosta de pular Carnaval fazer esse pacto. Acho que o bloco é grande exatamente por isso”.

O músico do Boi Tolo conta que há alguns anos a Riotur acompanha o bloco e pede para ter uma ideia do trajeto para minimizar o impacto do trânsito: “E a gente colabora, claro. É pública a informação do horário e local que saímos. A única reivindicação que temos, que é de todo folião, é ter mais banheiros nas ruas”.

Esse pedido também vem de integrantes de outros blocos. É o caso de Edison Matos, um dos fundadores da Sinfônica Ambulante, que desfila tradicionalmente há seis anos no sábado seguinte ao Carnaval, em Niterói, há seis anos, com 100 integrantes e um público de cinco mil pessoas, segundo os organizadores. No domingo anterior, a Sinfônica, que ao longo do ano toca em casamentos e festas particulares para arrecadar dinheiro para o carnaval, ainda dá um bônus aos seus seguidores e pega a barca rumo ao Rio de Janeiro para se encontrar com o Boi Tolo.

“Pagamos toda a infraestrutura do nosso bolso: água, segurança, ensaios. Nosso único pedido é que não atrapalhem nosso cortejo e coloquem mais banheiros químicos pela cidade, porque nunca é suficiente. Por sermos um bloco de fanfarra, não precisamos de palco, nem som, nem trio elétrico, então a burocracia já deveria ser menor”, argumenta o músico. “Já aconteceu de entrarmos com o pedido e nunca recebermos a resposta. Já recebemos autorização da Secretaria de Cultura, mas não tivemos da Secretaria de Turismo. Além desses órgãos, é preciso pedir para a polícia militar, avisar a delegacia civil do bairro e para a Fundação Parques e Jardins. É impossível para integrantes de um bloco resolverem essa burocracia. Seria preciso contratar uma empresa de produção. Mas aí onde é que fica a espontaneidade do Carnaval de rua? Vira um negócio”.

Outro queridinho do último Carnaval não oficial é o Vem Cá Minha Flor. Nascido em setembro de 2015, seus 70 integrantes lutam pela liberdade e simplicidade do Carnaval de rua carioca.

“No nosso caso, não existe uma ideologia em ser não oficial, apenas entendemos que atualmente essa é a melhor forma de se participar do carnaval; na folia com simplicidade, com a liberdade de tomar qualquer rumo pelas ruas, com espontaneidade e alegria, onde todos nós somos foliões na grande festa do Momo”, conta Leonardo Santana, um dos fundadores do bloco que se mantém financeiramente tocando em casamentos e festas ao longo do ano.