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Jesus da Mangueira é o verdadeiro, diz pastor que viverá Cristo na Sapucaí

O pastor evangélico e ator Henrique Vieira - Arquivo pessoal
O pastor evangélico e ator Henrique Vieira Imagem: Arquivo pessoal

Anahi Martinho

Colaboração para o UOL, em São Paulo

17/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Escola busca o bicampeonato sob o comando do carnavalesco Leandro Vieira com um enredo que contará a história de Jesus Cristo
  • O papel principal será interpretado pelo pastor evangélico e ator Henrique Vieira: "Será um Jesus de amor e defesa dos corpos oprimidos"
  • Formado em ciências sociais, história e teologia, Vieira recorda que a má interpretação da mensagem de Cristo não é novidade

"Senhor, tenha piedade, olhai para a Terra, veja quanta maldade". É assim, em tom de oração, que a Estação Primeira de Mangueira vai entrar na Sapucaí neste Carnaval.

Campeã carioca no ano passado com o enredo que homenageou Marielle Franco, a escola busca o bicampeonato sob o comando do carnavalesco Leandro Vieira, desta vez com um enredo que contará a história de Jesus Cristo.

O papel principal será interpretado pelo pastor evangélico e ator Henrique Vieira. "Será um Jesus de amor, justiça e defesa dos corpos oprimidos", diz o pastor, que assina também a consultoria histórica e bíblica do samba-enredo.

"Numa época em que se usa tanto o nome de Cristo para estimular o ódio, o preconceito, a violência, a opressão, a Mangueira vai levar para a avenida o verdadeiro Jesus da Bíblia", defende ele.

O título do samba-enredo, "A Verdade Vos Fará Livre", é uma citação do evangelho de João, no qual Jesus diz: "Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" (João 8:32,33).

A frase bíblica é também uma das favoritas de Jair Bolsonaro, que já a reproduziu em seus discursos. O samba-enredo fala em "Messias de arma na mão", e questiona em um dos versos: "será que todo o povo entendeu meu recado?"

A história que a Mangueira pretende contar na avenida, porém, vai muito além de uma alfinetada no atual governo. É uma vertente destoante da narrativa hegemônica que se criou de Jesus, que o pastor considera distorcida e equivocada.

"O Jesus da Bíblia anda com os pobres e oprimidos, vence preconceitos, acolhe as pessoas marginalizadas. Jesus se parece muito mais com o que a Mangueira vai apresentar na avenida do que com aquilo que muitas igrejas apresentam todo domingo", diz.

Formado em ciências sociais, história e teologia, Vieira recorda que a má interpretação da mensagem de Cristo não é novidade.

"Ao longo da história, muitas vezes o cristianismo não compreendeu bem Jesus. Em nome de Jesus se legitimou as Cruzadas, a colonização violenta da América, a escravidão", diz Vieira.

"Provavelmente hoje matariam Jesus de novo", sentencia. "E matariam Jesus em nome de Jesus".

Ataque

Na última sexta-feira (7), Henrique Vieira foi "crucificado" por outros 23 pastores evangélicos, que lançaram um abaixo-assinado tentando deslegitimá-lo como líder religioso.

A nota, veiculada na imprensa especializada, critica Vieira por desfilar no Carnaval, o que seria "incoerente com a fé cristã" e o acusa de ser "um militante de esquerda que visa a captação de votos dos evangélicos".

O texto ainda ataca o pastor por "promover o diálogo e a justiça social a partir de ideologia político-partidária" e "afirmar possíveis traços raciais de Jesus".

"Se eu digo que Jesus era negro, preciso me justificar. A imagem que foi construída de Jesus branco é vista como natural e verdadeira, enquanto Jesus negro é visto como forçação de barra, militância político-ideológica", explica.

Autor do livro "O Amor Como Revolução", que virou peça de teatro, Vieira é fundador da Igreja Batista do Caminho de Niterói (RJ), que tem entre seus valores fundamentais a "justiça social" e a "sensibilidade cultural".

"Haters"

Considerado voz destoante dentro do cristianismo e acumulador de "haters" na internet, ele afirma que sua luta é para trazer à tona a verdadeira mensagem de Cristo.

"Eu não sou uma andorinha só. Faço parte de uma tradição cristã comprometida com a justiça e a dignidade humana. Me inspiro na luta de Martin Luther King e São Francisco de Assis", diz.

Jesus na avenida

Vieira não será a única face de Jesus na avenida. A escola terá vários intérpretes do profeta, que será retratado de maneiras diferentes.

O ator Lázaro Ramos chegou a ser convidado para viver uma delas, mas declinou. Já a Virgem Maria, mãe de Cristo, será vivida pela cantora Alcione.

Em um dos trechos mais polêmicos do samba-enredo, Cristo é descrito como "rosto negro, sangue índio, corpo de mulher".

"O que vai aparecer na avenida é um Jesus que se identifica com corpos oprimidos", explica Vieira.

Embora muita gente não esteja entendendo o enredo deste samba, o pastor acredita que muitos cristãos vão ficar aliviados ao ver o desfile.

"O mais bonito é que a Mangueira não está inventando nada, essa história está escrita há dois mil anos", completa.

Sobre ser atacado por desfilar no Carnaval, ele afirma que o preconceito contra a festa popular tem pano de fundo elitista, preconceituoso e colonizador.

"Pessoas e corpos livres incomodam sistemas opressores. A liberdade é um problema para quem quer ser autoritário e concentrar poder".

A Mangueira será a terceira escola a desfilar no domingo (23), às 23h30.

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