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Banda Eva: uma brincadeira que virou história

Em fevereiro de 2016, a Banda Eva fechou a programação do CarnaUOL já na madrugada. Em 2017 o grupo volta como atração do festival, e recebe Anitta no palco - Ricardo Matsukawa/UOL
Em fevereiro de 2016, a Banda Eva fechou a programação do CarnaUOL já na madrugada. Em 2017 o grupo volta como atração do festival, e recebe Anitta no palco
Imagem: Ricardo Matsukawa/UOL

17/02/2017 18h49

A Banda Eva, uma das atrações do Festival CarnaUOL, neste sábado (18), em São Paulo, está completando 37 anos de criação. Uma das maiores referências da axé music, o grupo é reconhecido como a escola e a vitrine que revelou ao Brasil grandes nomes da música baiana. “É uma grande responsabilidade estar neste posto de vocalista do Eva. Principalmente pelo histórico, por terem passado pela banda grandes artistas da nossa música”, diz o cantor Felipe Pezzoni, atual vocalista da banda.

Aos 32 anos, o rapaz está à frente do grupo desde 2013, quando substituiu o cantor Saulo Fernandes. De fã, ele passou ao lugar de integrante do Eva sem jamais ter imaginado isso. “Sempre foi a banda com a qual eu mais me identifiquei musicalmente, desde a época de Ivete como vocalista. Mas não tinha pretensão alguma de chegar nela, nunca imaginei ficar de frente do Eva”, lembra ele, para quem o maior desafio, hoje, é imprimir uma identidade a um grupo que já tem sua marca definida no país. “Temos que valorizar esse legado e revelar algo de novo. Contar à nossa maneira, com a nossa identidade”, explica.

As quase quatro décadas de formação da banda compila uma história de sucessos musicais responsáveis por embalar o Carnaval da Bahia e, por tabela, do Brasil. “É muito bom ter tantos sucessos e ter tantos clássicos. Chega ser muito difícil conseguir reunir tudo isso em um show. Sempre algumas coisas vão ficar de fora, até porque a gente também precisa arranjar espaço para colocar coisas do nosso ciclo”, conta o cantor. “É muito complicado de fazer repertório. Só no Carnaval que conseguimos cantar tudo, porque são cinco horas de apresentação.”

Ivete Sangalo como vocalista da Banda Eva - Otávio Dias de Oliveira/Folha Imagem - Otávio Dias de Oliveira/Folha Imagem
Ivete Sangalo, como vocalista da Banda Eva
Imagem: Otávio Dias de Oliveira/Folha Imagem
Trajetória

Eva nasceu da ideia de amigos baianos que -- ao sair do colégio e entrar na faculdade -- queriam manter a amizade e a diversão juntos. “Quando acabamos o Colégio Marista da Bahia, a forma que tivemos de permanecer juntos foi criar o bloco Eva”, lembra o empresário Maurício Magalhães, um dos 11 fundadores do grupo. O nome de três letras, embora pareça fazer referência à mulher de Adão, segundo a Bíblia, é na verdade a sigla de Estrada Velha do Aeroporto, onde ficava o sítio que era ponto de encontro e de festas dos jovens. “Fizemos um trio elétrico, contratamos a primeira banda. No primeiro ano que o bloco saiu, conseguimos lucro e passamos o fim de semana num hotel; no segundo ano, o lucro aumentou e passamos uma semana. No quarto ano, vimos que aquilo podia mesmo dar negócio, e no quinto ano oficializamos o bloco.”

A Banda Eva, então, tornou-se uma das mais conhecidas no Brasil. “Virou um negócio brasileiro, uma marca”, afirma Magalhães. Em 37 anos, o grupo também virou passagem de grandes artistas baianos. “Nessa trajetória, tivemos quase todos os grandes artistas da Bahia. Daniela Mercury, Ricardo Chaves, Carlinhos Brown, Luiz Caldas, Ivete Sangalo -- que começou com 18 anos -- Emanuelle Araújo, Durval Lelys e Saulo Fernandes”, lembra.

Em todo esse tempo de existência, muitas histórias marcam a trajetória da banda. Uma delas, conta Maurício Magalhães, é a descoberta de Ivete. “A gente tem o DNA da sorte, como é o caso de Ivete. Um dos nosso sócios, João da Cunha, voltou de uma excursão do interior da Bahia e disse: ‘Vi uma menina gordinha e desengonçada, e ela pode ser um show’. Ninguém acreditava, mas ele insistiu. Convidamos a menina, ficamos quase um ano treinando ela. E Ivete virou Ivete.”

Mesmo com as muitas mudanças pelas quais passou nesses 37 anos, a Banda Eva se mantém firme. “Tem um momento da carreira que eles seguem, e nós recomeçamos. Mas temos a força da marca, o repertório acumulado”, afirma o empresário. Nem a atual crise pela qual passa o Carnaval soteropolitano abala o grupo. “O que está acontecendo com o Carnaval de Salvador não é econômico; é de modelo. O modelo não se renovou, há problemas com os horários, os circuitos, o diálogo com os camarotes. O Carnaval de Salvador se camarotizou, envelheceu”, critica. 

A voz da Bahia

Foi na Banda Eva que Daniela Mercury pôde fazer sua primeira escola de trio-elétrico, antes de ser considerada a rainha da axé music. “Eu era vizinha de um dos donos do Eva, Eduardo França Gomes, e vi a banda surgir. Eu comecei a cantar em 1980, aos 15 anos, e em 1982, pedi a ele para fazer um teste para a banda. Passei, mas desisti de entrar. Os ensaio eram longe de casa e os músicos eram mais velhos do que eu. Eu era uma menina, fiquei com medo”, lembra Daniela.

Daniela Mercury - Leonardo Benassatto/FramePhoto/Estadão Conteúdo - Leonardo Benassatto/FramePhoto/Estadão Conteúdo
Daniela Mercury teve a Banda Eva como sua primeira escola de trio-elétrico na Bahia
Imagem: Leonardo Benassatto/FramePhoto/Estadão Conteúdo
Somente em 1986, a cantora decidiu aceitar um novo convite do grupo e passou a integrar a Eva. Sua primeira apresentação foi em março, durante a micareta de Feira de Santana. “Marcionílio era o vocalista naquela época. Fiz backing vocal e alguns solos. Nos apresentamos muito no interior. No ano seguinte, Ricardo Chaves substituiu Marcionilio, e eu já era uma segunda cantora”, conta. “Eu passei com Eva a minha iniciação do que era a vida difícil de um cantor de trio. Tenho memórias de muita dureza. A gente ficava em hotéis muito pobrezinhos, no interior da Bahia. Mas era uma escola. Inclusive foi com num dos shows que conheci Gonzagão.”

Daniela Mercury ficou no grupo até 1989. “Cantava 20% do repertório. Mas não usavam meu nome porque naquela época o Carnaval era uma coisa machista. Mas passei a ser reconhecida pelo público. Tinha show que fiz que as pessoas gritavam ‘Daniela, Daniela”, no bis, para eu cantar.” A baiana, inclusive, chegou a substituir Ricardo Chaves em parte do percurso do bloco no Campo Grande, em Salvador, após o cantor ter um problema de voz. “No ano seguinte, o pessoal do Eva dizia que eu ia assumir, dividir o vocal com Ricardo, mas não chegaram a um acordo com ele. E eu decidi sair da banda.” 

No Eva, conta Daniela Mercury, foi possível construir uma base extraordinária. “Aprendi a construir também um repertório, aprendi a segurar um trio-elétrico. A gente estava construindo um gênero que não existia, o axé”, explica a cantora. “O Carnaval do Eva era muito bonito. Foi cantando no Eva que eu vi o Olodum passar com ‘Faraó’, e defini ali que iria criar meu repertório com o samba-reggae.”