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Como o álcool age sobre o cérebro? Ciência explica bebedeira

Marcelo de Jesus/UOL
Imagem: Marcelo de Jesus/UOL

Flávio Iha

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

23/02/2017 04h00

Durante a folia, quem não quer tomar uma bela cerveja gelada ou um sacolé alcoólico? Mas, é bom saber que o álcool, além de dar aquela sensação de relaxamento, também afeta diretamente vários órgãos importantes do nosso corpo, em especial o cérebro. Se for consumido em doses excessivas, então, os danos podem ser irreversíveis.

Bebidas alcoólicas, por mais leves que sejam (com teor inferior a 3% sobre cada litro), entram na corrente sanguínea rapidamente depois de serem absorvidas pelo estômago e pelo duodeno e de serem despejadas no fígado, que atacará a substância estranha para eliminá-la do organismo. Da corrente sanguínea, chegar ao cérebro é questão de minutos. Poucos minutos

“O álcool é uma droga que age do fio de cabelo até o dedão do pé. Mas a ação farmacológica inicial mais identificável é o efeito cerebral, caracterizado por certo torpor e sensação de relaxamento. Em doses pequenas, o efeito pode ser agradável. Mas se as doses forem aumentadas de forma aguda, o torpor é mais intenso e pode até levar ao coma – o que é raro, mas não improvável”, alerta o médico Ronaldo Laranjeira, da Unifesp.

Primeiro nos neurotransmissores

Logo que chega ao cérebro, poucos minutos depois de ser ingerido, em qualquer quantidade, o álcool começa a agir sobre os neurotransmissores – substâncias responsáveis pelas trocas de mensagens entre as células cerebrais. Especialmente sobre dois, bastante importantes para o comportamento humano: o ácido gama-aminobutírico, cuja sigla é Gaba, e a serotonina.

Nossos neurotransmissores estão divididos em dois grupos: excitatórios, quando estimulam a atividade elétrica do cérebro, ou inibitórios, quando a reduzem.

O etanol aumenta os efeitos do Gaba, um neurotransmissor inibitório, o que causa os movimentos lentos e a fala enrolada que frequentemente se observam em pessoas alcoolizadas.

Ao mesmo tempo, inibe o neurotransmissor excitatório glutamato, suprimindo seus efeitos estimulantes e levando a um tipo de retardamento fisiológico. O sistema Gaba atua sobre o controle da ansiedade. Ou seja, quando “armado” pela inibição da produção de glutamato, deixa as pessoas mais relaxadas e com capacidade de interagir melhor com grupos. Quanto mais Gaba, menos autocontrole.

Se uma pessoa chega a uma festa muito ansiosa, com medo de ser criticada ou de estabelecer relações, uma pequena dose de álcool irá relaxá-la um pouco e a tornará menos perceptiva em relação aos outros. Isso é efeito do sistema Gaba.”

Ronaldo Laranjeira, da Unifesp

Aumento de serotonina

Quase ao mesmo tempo o álcool também aumenta a liberação de serotonina, neurotransmissor que serve para regular o prazer e o humor. Com mais serotonina, que é considerado o hormônio a felicidade, mais euforia – e, em alguns casos, atitudes que podem resultar em atos violentos.

“As maiores alterações eletrofisiológicas do álcool foram registradas na região do tálamo, que é um dos principais centros da organização cerebral. Ela é a porta de entrada no que se refere à sensibilidade”, explica o neurocirurgião Flávio Settani, também da Unifesp.

Isso porque o álcool é uma substância complexa, com ação farmacológica muito variada e que atua diretamente como depressor sobre o Sistema Nervoso Central (SNC). A partir do momento em que o consumo aumenta, ele pode agir não só no sistema de relaxamento, controlada pelo Gaba, mas em outros sistemas do cérebro.

Bêbado - iStock - iStock
Imagem: iStock

Sonolência ou agressividade

Dependendo da quantidade ingerida e da química cerebral de cada pessoa, o relaxamento inicial pode dar lugar à sonolência ou, em certos casos, a muita agressividade.

Coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, o psiquiatra Sérgio de Paula Ramos alerta que as “alterações morais” do álcool, especialmente em situações de abuso, podem ser bastante nocivas se não forem controladas adequadamente.

“As alterações de comportamento podem incluir exposição moral, comportamento sexual de risco, agressividade, labilidade do humor, diminuição do julgamento crítico, alterações no afeto, na fala, na diminuição do desempenho motor, no pensamento e também baixa coordenação motora. Esses efeitos podem afetar qualquer indivíduo, em todas as idades”, adverte.

Uso contínuo pode levar a cirrose, diabetes e depressão

As consequências do uso continuado de álcool, para Ramos, podem ser devastadoras: desenvolvimento de doenças autoimunes, cirrose, diabetes e depressão, para citar apenas alguns exemplos. “E com um agravante: bebidas alcoólicas são drogas legais, estão à venda em cada esquina. De todas as drogas, o álcool é a que tem o maior número de usuários e a que começa a ser consumida mais cedo, entre os 12 e os 13 anos de idade”, argumenta.

O poder destrutivo do álcool, segundo o psiquiatra, vem da capacidade de provocar lesões em tecidos adiposos, cobertos de gordura. Como o cérebro é todo revestido de tecido adiposo, ao atacar essas regiões o álcool desencadeia um processo inflamatório no cérebro, que altera a bioquímica e, consequentemente, as transmissões elétricas entre as sinapses (feitas pelos neurotransmissores). 

“No primeiro momento, o álcool relaxa. No segundo, provoca euforia. No terceiro, vem a depressão. E, se a pessoa não parar de beber, o álcool leva ao coma”, adverte.