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"Negras ou brancas, o Ilú Obá de Min é para todas", diz fundadora do bloco

Há 12 anos, o bloco Ilú Obá de Min desfila no centro de São Paulo com bateria formada apenas por mulheres - Reinaldo Canato/UOL
Há 12 anos, o bloco Ilú Obá de Min desfila no centro de São Paulo com bateria formada apenas por mulheres
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

25/02/2017 01h20

Vestidas em homenagem a Oxóssi --o orixá da caça e das florestas–, cerca de 350 mulheres desfilaram na noite desta sexta-feira (24) pelas ruas do centro de São Paulo na 12ª edição do Bloco Ilú Obá de Min.

Mesmo sob forte chuva, negras e brancas de posse das suas alfaias, agogôs, xequerês e outros instrumentos de percussão saíram em cortejo por volta das 20h da Praça da República em direção à antiga Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Largo do Paissandu. A PM não informou à reportagem uma estimativa de público.

Diante da polêmica sobre a temática da apropriação de mulheres brancas sobre elementos da cultura negra, ao ser questionada pelo UOL, Beth Belisário, percussionista, fundadora do Ilú Obá De Min, afirmou que o Ilú é para todas.

“Dentro do Ilú, a primeira fala é sempre das mulheres negras. Elas que têm a voz. Quando eu comecei a tocar na vida sofri muito preconceito, me empoderei. Esse empoderamento pode sim ser transmitido a todas as mulheres. Mas são as negras que têm voz de comando dentro do Ilú”, disse.

Bloco do Ilú Oba de Min desfila pelas ruas do centro de São Paulo na noite desta sexta. Na foto, um integrante com as roupas de Xangô - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Bloco do Ilú Oba de Min desfila em São Paulo. Na foto, um integrante com as roupas de Xangô
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Carnaval de protesto

Nene Cintra, 53, que toca djembe, tem o tom de pele claro e para ela a beleza de participar do Ilú é o fato de ele ser aberto a todas. “Aqui é justamente isso que é bonito. Todas estamos lutando pela mesma coisa. A luta é por empoderamento. O Ilú tem essa valorização da cultura afro, mas é para todas. Estamos todas unidas nessa luta”, disse.

Quando uma das integrantes foi vítima de racismo logo após a apresentação do bloco no ano passado, todas tomaram as dores. “Ela foi num bar e o dono pensou que ela estava lá para roubar. A gente parou no final do cortejo e falou sobre o que tinha acontecido. Fazemos boicotes a lugares como esse. Ninguém mais foi lá”, contou Bárbara Nunes, 39, que toca agogô.

Para Beth Belisário, toda vez que o bloco faz um desfile, ele está indo para uma guerra. “E vamos para a guerra para ganhar. Nós fazemos um carnaval de protesto por todos os direitos que nos foram negados. São 12 anos, justamente o número de Xangô, o orixá da Justiça, homenageado neste ano. São 12 anos clamando por justiça para as mulheres negras”, disse.

Dos 12 anos do bloco, esse é o primeiro de Dalva Regina Santos, 34. Para ela, participar do Ilú tem sido “um grito de resistência”. “O bloco é um primeiro passo em reconhecimento a esses elementos da cultura afro que estão dentro da gente, que fazem parte da nossa história”, disse.

Chuva atrasa

Com mulheres na bateria e dançarinos vestidos como orixás, usando pernas de pau e soltando labaredas de fogo, o bloco passou pela avenida São Luiz, rua Xavier de Toledo, Praça Ramos e foi até o Largo do Paissandu. Terminou após as 23h, com mais de uma hora de atraso do combinado com a Prefeitura, com um verdadeiro ritual de agradecimento pelos 12 anos do Ilú Obá De Min.

O horário não preocupou a organização. “Acredito que a Prefeitura não vai penalizar o bloco. Já viramos tradição, somos patrimônio, fazemos parte da história do carnaval de rua de São Paulo. São 12 anos. É algo para se orgulhar [não se penalisar]”, disse.

Beth lembra bem como o carnaval de rua em São Paulo era há 12 anos. “Não tem comparação. O carnaval de rua ganhou uma força maior. As pessoas começaram a ficar aqui para curtir o Carnaval. Vários blocos surgiram, e o Obá é um deles”, disse.

Mas ela faz a ressalva: o que nós fazemos não é Carnaval. “Estamos aqui para reverenciar os nossos ancestrais, para lutar pela resistência negra. E fazer o desfile é apenas uma parte do que fazemos no Ilú”, concluiu.

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