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Rio de Janeiro

Refém do gigantismo, Carnaval do Rio deve repensar estrutura de alegorias

Anderson Baltar

Colaboração para o UOL, no Rio

27/02/2017 08h50

Em mais de 30 anos de Sambódromo, nunca havia ocorrido tragédia de proporções como a ocorrida na noite desse domingo, quando um carro alegórico do Paraíso do Tuiuti, completamente desgovernado, atropelou e feriu 20 pessoas na área de armação. O triste evento, antes mesmo da apuração completa de responsabilidades e do pronto restabelecimento dos feridos, deixa reflexões bastante pertinentes sobre o momento atual das escolas de samba.

A primeira constatação – talvez a mais óbvia – diz respeito ao gigantismo dos carros alegóricos, que atingiram o limite no que diz respeito ao seu tamanho. Desde a inauguração da Cidade do Samba, em 2005, as alegorias experimentaram um crescimento sensível em suas alturas, larguras e comprimentos. Como diz o site da Liesa, o complexo de barracões foi construído para, inicialmente, ter capacidade para a construção de doze carros alegóricos. Porém, com as facilidades oferecidas pelo espaço, as alegorias cresceram desmesuradamente. Atualmente, muitas escolas têm dificuldades em ter espaço para construir sete carros. Na maioria dos barracões, é impossível circular entre os carros sem que se esbarre em uma escultura.
 
A ampliação do Sambódromo contribuiu para o agravamento deste processo. Com a demolição do antigo Setor 2, que reunia os camarotes em um prédio de três andares, foram construídas arquibancadas espelhadas com os setores ímpares. O resultado imediato: as escolas se viram obrigadas a aumentar os seus carros, seja lateral ou verticalmente. Quem não o fizesse, correria o risco de ter seu desfile minguar visualmente. A nova tendência do Carnaval foi definida com o desfile da Portela em 2015 e seu símbolo é a águia redentora, que preencheu inteiramente o campo visual da transmissão televisiva. Não à toa, a torre de TV localizada no terço final do desfile foi demolida e substituída por uma estrutura metálica mais curta e dois metros mais alta.
 
Mais altos e mais largos, os carros ficaram mais pesados. E a manobra na curva da concentração ganhou ar de dramaticidade ainda maior. Com a necessidade de redução do tempo de desfile para atender a transmissão de TV, a manobra de entrada das alegorias na avenida tornou-se decisiva. Qualquer minuto além do programado causa pânico nos diretores das escolas. Em meio ao desespero, ações desatinadas ganham maior probabilidade de acontecer. É nesse contexto que se insere o acidente ocorrido com o Tuiuti. No afã de colocar a alegoria na avenida, as vidas de muitas pessoas foram colocadas em risco.
 
Aí chegamos ao fator final: o verdadeiro gargalo que é a área de armação do Sambódromo. Além de apertada, planejada para um Carnaval de 30 anos atrás, onde os carros alegóricos eram menores do que os tripés das comissões de frente atuais, este setor da avenida ainda convive com um verdadeiro mar de credenciados no seu entorno. Ao lado de jornalistas, funcionários da Liesa e de órgãos públicos, centenas de pessoas estão ali de forma inexplicável, brincando o Carnaval e fazendo selfies de forma indiscriminada. É preciso um maior critério para a utilização da área de armação da avenida. 
 
Geralmente, após grandes tragédias, medidas são tomadas. Após a morte de Ayrton Senna, a Fórmula 1 ampliou de forma sensível os seus procedimentos de segurança. Em decorrência do incêndio da boate Kiss, nenhuma quermesse no Rio Grande do Sul é realizada sem a anuência do Corpo de Bombeiros. Esperamos que os dirigentes das escolas de samba aprendam com este triste episódio e redimensionem o desfile das escolas de samba. Que os limites de tamanho das alegorias sejam mais razoáveis e que o espaço esteja mais adaptado para as exigências do espetáculo.
 
E, por fim, o desejo de um sambista. Pode parecer um tanto romântico, mas tudo isso acontece por conta de um julgamento que privilegia demasiadamente o lado plástico em detrimento dos quesitos fundamentados na dança e na execução do samba. Que o visual não seja tão predominante a ponto de obrigar uma pequena escola como o Tuiuti ver na apresentação de alegorias em tamanho descomunal a única chance de permanecer no desfile principal.
 

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