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Recife e Olinda

Vida e morte de Donald Trump nas ladeiras de Olinda

Daniel Lisboa

Do UOL, em Olinda (PE)

27/02/2017 17h04

Às nove horas da manhã desta segunda-feira (27), Donald Trump já está escorado na fachada do Museu de Arte Sacra de Olinda. Não demora muito, os foliões notam a presença ilustre e começam a interagir. Um grupo de gays usando maiôs coloridos e brilhantes faz pose para tirar uma foto beijando a boca do presidente americano. Depois, duas mulheres preferem aparecer enfiando os dedos na goela e fazendo cara de nojo. Um rapaz vestindo camisa polo rosa é mais protocolar: apenas sorri para a câmera.

O Trump de Olinda não é aquele que faz comentários estapafúrdios e quer barrar imigrantes. Tampouco apresenta a silhueta robusta e a papada debaixo do queixo que, dizem, ele odeia que seja fotografada. No Carnaval de Pernambuco, Trump tem um visual um pouco mais enxuto. Ele demorou uma semana para ser feito, pesa cerca de vinte quilos, é moldado na argila, feito de fibra de vidro e desfilou na nona edição da Apoteose dos Bonecos Gigantes de Olinda.

A versão mais leve e calada do presidente americano foi uma das novidades do desfile de hoje. Ela fez companhia a outros 27 bonecos criados para o Carnaval deste ano. No total, cerca de 80 bonecos partiram do Alto da Sé para um percurso de cerca de um quilômetro até a prefeitura da cidade. Nenhum, porém, chamou mais atenção que Donald Trump.

Um presidente nos ombros

Paulo Cézar, 32 anos, natural de Olinda, é quem carregará Trump nos ombros. É de se imaginar o que o presidente americano pensaria se soubesse que, no Brasil, um latino suado e de pele escura é o responsável por trazê-lo à vida.

Carregar um boneco gigante não é tarefa simples. Tudo o que o seu manipulador tem à disposição são suportes de madeira para apoiá-lo nos ombros e segurá-lo, além de uma camada de espuma no local onde o boneco apoia na cabeça. Mas Paulo, que já fez esse trabalho em pelo menos outros cinco carnavais, sabe o que o aguarda.

Para dar conta de tamanha exigência física, porém, ele tomou uma xícara de “mingau de cachorro” pela manhã. Trata-se de uma mistura local de farinha com cravo que, segundo ele, garante a energia necessária.

“Fui buscá-lo de manhã para trazer até aqui e acabei já ficando com ele”, diz Paulo, explicando a aleatoriedade de seu trabalho. Sobre o Trump da vida real, o carregador acha melhor “deixar ele quietinho lá [nos EUA]”.

Entre vários pedidos de foto e entrevistas, Paulo fuma um cigarro enquanto aguarda pelo começo do desfile. Isso acontece precisamente às 10h12, quando ele então tem precisa erguer Trump nos ombros e ainda se cobrir com um pano preto que deixa apenas um pequeno espaço para ele enxergar e respirar.

Bordoadas...

Quando a bateria começa a tocar, Trump já dança no meio de todos e distribui bordoadas involuntárias em quem chega muito perto. De Paulo, só é possível ver seu tênis para corrida surrado que parece estar sempre prestes a pisar no pano preto e levar Trump ao chão.

Os bonecos nem começaram sua peregrinação, porém, e Trump dá um susto no público. Seu braço esquerdo cai e parece que não há meio de colocá-lo de volta. Paulo é obrigado a abandonar seu traje e tentar ele mesmo salvar o membro amputado. São pelo menos cinco minutos de tensão até que chegam ajudantes com um martelo. Paulo consegue martelar o prego que segura o braço no boneco e pouco depois já está pulando freneticamente de novo.

A apoteose começa às 10:28. Trump é o sexto na fila dos bonecos, que tem os de Zezé de Camargo e Luciano na dianteira. Em frente à igreja da Nossa Senhora da Conceição, freiras fotografam os bonecos pela janela e o público grita: “desce, desce!”.

Depois da primeira aglomeração enfrentada pelo desfile, os bonecos viram em uma viela à direita da igreja. Com mais espaço, Trump volta a enlouquecer e, em certo momento, inclina-se tanto para trás que, por um instante, parece prestes a realizar o sonho de alguns americanos: cair.

Na rua Saldanha Marinho, Trump já está tão à vontade que começa a brincar de correr em direção às pessoas. Ele vai e volta como um touro desembestado, mas, logo em seguida, uma nova aglomeração aguarda os bonecos e Trump tem que segurar a onda.

É hora de fazer uma curva acentuada à esquerda. A rua é apertada e o público na calçada e dentro das casas pode ver Trump e seus amigos passarem bem de perto. “Não estou cansado não. Aguentava mais uma hora e meia”, diz Paulo, apesar da expressão de quem acaba de fazer duas horas de spinning.

Cansado ou não, Paulo tem sede. E, afinal, é Carnaval. Ele encosta em um bar na rua do Amparo e, Trump nos ombros, pede uma cerveja. Aparentemente não tinha a que ele queria, porque ele sai de mãos vazias. Nada que um vendedor ambulante não resolva alguns passos adiante. Paulo consegue comprar sua cerveja e, com a tranquilidade de quem já carregou vinte quilos sob um calor sufocante em meio à multidão outras vezes, segue domando Trump ao mesmo tempo em que entorna uma lata de cerveja.

Sem medo

Curiosamente, quem está à frente agora é um boneco com os trajes tradicionais mexicanos. Ele é menor que os outros e parece ter se incorporado aleatoriamente ao desfile. O garotinho que o carrega diz não ter medo que Donald Trump esteja logo atrás dele.

Na medida em que o ponto final se aproxima, a multidão se avoluma ao redor dos bonecos. Trump deu um “sprint” depois da cerveja e, em pouco tempo, percorreu dois quarteirões. Trump ainda tem relances de empolgação, mas está cada vez mais difícil para ele manter o ritmo.

São os últimos passos antes da praça Monsenhor Fabrício, onde está o prédio da prefeitura. No Carnaval de Olinda, entretanto, isso não significa o mesmo que estar perto. Os bonecos ainda precisam vencer mais um bloco, no qual os foliões cantam “Ih, f..., a galinha apareceu”, antes de concluírem o desfile. Trump tem a companhia do apresentador Datena e do cantor Luciano neste momento.

Assim que finalmente chegam à praça, muitos bonecos já começam a desabar. Seus carregadores estão exaustos. Não Trump, não Paulo: esse ainda permanece mais um tempo no meio do povo antes de descer a ladeira rumo ao local onde três caminhões aguardam os bonecos.

Ele é um dos últimos a chegar. A maioria dos bonecos já está, inanimada e melancolicamente, enfurnada no fundo dos caminhões. Ainda há quem peça para tirar uma foto com Trump mesmo em seus últimos suspiros. E ele não nega. Chega, então, a hora de erguer Trump por cima da cabeça e terminar oficialmente sua apoteose.

Com o olhar satisfeito de quem acaba de carregar nos ombros o homem mais poderoso do mundo, Paulo se apressa em acender um cigarro. Seu pagamento pelo trabalho será de R$ 100. Ele diz que dinheiro não é o mais importante, e mal terá tempo para descansar. “Vou comer uma coisinha aí porque agora às quatro horas vou carregar boneco em outro bloco”, ele conta.

As portas se fecham para Trump. Ele está trancado no caminhão, ao lado de Gustavo Kuerten.

Trump 'descansa' em um caminhão ao lado do tenista Gustavo Kuerten - Daniel Lisboa/UOL - Daniel Lisboa/UOL
Trump 'descansa' em um caminhão ao lado do tenista Gustavo Kuerten
Imagem: Daniel Lisboa/UOL