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Anderson Baltar

Virada de mesa é um tiro no coração da credibilidade do Carnaval do Rio

Desfile da Grande Rio no Carnaval de 2018 - Júlio César Guimarães/UOL
Desfile da Grande Rio no Carnaval de 2018 Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

01/03/2018 10h24

O que era comentado nos bastidores do Carnaval desde a Quarta-Feira de Cinzas tornou-se uma triste realidade: em plenária realizada na Liesa, os presidentes das escolas de samba do Grupo Especial decidiram, pela ampla margem de 10 votos a 2, cancelar o rebaixamento e manter a Acadêmicos do Grande Rio e o Império Serrano no desfile principal do Carnaval carioca.

A decisão, casuística e inexplicável, baseia-se no antecedente ocorrido após os desfiles do ano passado, quando o rebaixamento foi anulado. Porém, se em 2017 os acidentes durante os desfiles da Unidos da Tijuca e Paraíso do Tuiuti ainda eram argumentos minimamente discutíveis, o Carnaval de 2018 foi marcado pela total normalidade em seus desfiles.

A Grande Rio, maior beneficiada pela decisão, aguardava ansiosamente a abertura das justificativas dos jurados, marcada para 5 de março, para tentar "virar a mesa". A manobra aconteceu antes ainda. O inchaço despropositado do Grupo Especial carioca para preservar a Grande Rio é (mais) um tiro no coração da credibilidade da organização dos desfiles. Afinal de contas, pelo segundo ano consecutivo o regulamento é rasgado para beneficiar escolas com peso político.

Não precisa ser muito inteligente para notar que tudo que aconteceu no plenário da Liesa se deu pela força de bastidores da Grande Rio, que mobilizou, inclusive, o governador Luiz Fernando Pezão e os prefeitos de sua cidade natal, Washington Reis, e do Rio, Marcelo Crivella. Seria desejável se os governantes demonstrassem vontade política em outras situações mais importantes para a população e, que, sobretudo, dessem uma prova de que as regras têm de ser cumpridas, doa a quem doer.

Talvez isso seja uma quimera no Brasil de 2018, coroada pela frase do presidente de honra da Grande Rio: "Quem tem amigos, não morre pagão".

Em um momento em que o financiamento público dos desfiles anda ameaçado por orçamentos apertados e argumentos populistas, as escolas de samba precisam, mais do que nunca, mostrarem-se com credibilidade para o mercado. Questiono: qual empresário investirá seu dinheiro em um espetáculo onde as regras não são cumpridas? Como acreditar em um disputa onde as agremiações não entram em condições de igualdade e onde algumas são passíveis de rebaixamento e outras, não?

Os cartolas do Carnaval deveriam se mirar no exemplo (e olha que nem é tão exemplo assim…) dos dirigentes do futebol. De inchado e sem credibilidade, o Campeonato Brasileiro passou a ser a competição mais valorizada pelos clubes depois que seu regulamento passou a ser cumprido, doa a quem doer, para amigos e inimigos. Nos últimos 20 anos, clubes como Corinthians, Palmeiras, Vasco, Botafogo, Atlético Mineiro, Grêmio e Internacional, entre outros, caíram para a Série B e, no campo e na bola, voltaram ao convívio dos grandes.

Não resta dúvida de que, em um campeonato onde qualquer um pode ser campeão ou ser ser rebaixado, os empresários investem com sorrisos nos lábios. Em meio ao cinismo e a práticas de um Brasil que cada vez menos queremos, teremos um Grupo Especial com 14 escolas em 2019. Apesar das promessas do presidente da Liesa de que este é um quadro provisório e de que o enxugamento se dará nos próximos anos, é pertinente o questionamento: alguém ainda acredita que o regulamento será respeitado, sobretudo se uma escola poderosa estiver ameaçada?

Anderson Baltar