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Anderson Baltar

Os 80 anos de uma lenda portelense: Vilma Nascimento

Vilma Nascimento - Reprodução
Vilma Nascimento Imagem: Reprodução

02/06/2018 15h56

Nesta sexta-feira (1º), uma lenda do Carnaval carioca completou 80 anos de idade. Vilma Nascimento, a maior porta-bandeira da história da Portela e a responsável por trazer o interesse do público e da mídia para a função de conduzir o pavilhão de uma escola. De movimentos leves e elegantes, ganhou a alcunha de “Cisne da Passarela” e conduziu a Portela a vários campeonatos nos anos 1960.

De personalidade forte, foi uma das fundadoras da Tradição, escola dissidente da azul e branco. Há pouco mais de 10 anos voltou para sua escola de coração e viu suas descendentes ocupando o lugar que um dia foi seu. “A Portela é a minha casa. É a escola a que devo tudo em minha vida e onde vivi momentos inesquecíveis”, derrete-se a sambista, que foi homenageada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro na última quinta-feira (31).

Nascida em 1938 no bairro de Madureira, Vilma começou, ainda menina, a desfilar em blocos de Carnaval da região. Com nove anos, começou a desfilar na hoje extinta escola de samba União de Vaz Lobo, onde sua mãe, Marta, era baiana. Aos 13 anos, fez sua estreia como porta-bandeira.

Vilma no Carnaval de 1966 - Reprodução - Reprodução
Vilma no Carnaval de 1966
Imagem: Reprodução

Pouco depois, ao lado do primo-irmão Benicio, passou a integrar o elenco fixo do show da boate Night And Day, comandada pelo empresário Carlos Machado. No espetáculo, rodava com a bandeira da Portela, mesmo sem desfilar pela escola (Benício, por sua vez, era mestre-sala do vizinho e rival Império Serrano).

Tudo corria bem até o dia em que o lendário Natal, dirigente da Portela, invadiu a boate em busca de uma bandeira que teria sido roubada da escola. Ao vê-la com Vilma, teve o ímpeto de subir ao palco para reaver o pavilhão até que ficou paralisado vendo a jovem porta-bandeira se apresentando. No mesmo momento, a convidou para desfilar na azul e branca. A menina, de pronto, respondeu: “Não, obrigado. Sou da União de Vaz Lobo”.

Porém, o destino faria, pouco tempo depois, Mazinho, filho de Natal, se apaixonar pela menina. Após insistentes tentativas, Vilma aceitou namorar o rapaz e, ao conhecer os sogros, reconheceu na hora o mandatário portelense. Novo convite e nova recusa. Vilma ainda desfilaria na pequena União de Vaz Lobo por mais dois Carnavais até aceitar ir para a Portela, onde estreou em 1957.

Na azul e branca, substituindo a pioneira Dodô, Vilma deu uma nova dimensão à dança da porta-bandeira. “Antes de mim, ninguém dava muita bola para as porta-bandeiras. Com o sucesso que fiz, as coisas mudaram”, relata. Em pouco tempo, o “Cisne da Passarela” marcou seu nome como uma das grandes estrelas dos desfiles. Em seus primeiros quatro anos, conquistou o tetracampeonato, conquistando ainda os títulos de 1962, 1964 e 1966.

A presença de Vilma era tão fundamental  nos desfiles da Portela que o astuto Natal se fez valer de artimanhas para garantir a sua presença na avenida. Em certo Carnaval, ele atrasou o repasse do dinheiro para que Vilma fizesse sua roupa – o que atrasou a confecção. Os últimos bordados da fantasia eram preparados enquanto a escola estava na concentração. Saindo apressada de casa, Vilma viu, pela TV, que o carro abre-alas da escola estava quebrado e que o desfile atrasaria.

Vilma desfila em 1977 - Reprodução - Reprodução
Vilma desfila em 1977
Imagem: Reprodução

Desesperada, partiu para a Avenida Presidente Vargas (local dos desfiles à época) e, após um pneu furado, conseguiu chegar à concentração. Ao vê-la, Natal deu uma ordem aos diretores da escola: que as rodas do carro alegórico “avariado” fossem recolocadas no lugar. “Naquele dia eu vi o tamanho da minha importância para a Portela. Nunca mais me atrasei para ir desfilar”, diverte-se Vilma.


Após o Carnaval de 1968, deixou de ser porta-bandeira e, entre 1970 e 1976 desfilou como destaque. Devido a insistentes pedidos dos portelenses, voltou a conduzir o pavilhão entre 1977 e 1979. Rompida com a diretoria da Portela e magoada com a decisão do regulamento do Carnaval de 1980 em não contabilizar pontos para o casal de mestre-sala e porta-bandeira, Vilma afastou-se da folia.

Mas o exílio não duraria muito tempo. Em 1982, convidada pela União da Ilha, desfilou ao lado do eterno parceiro Benício pela tricolor insulana. Mesmo sem valer pontos, sua apresentação foi muito elogiada e proporcionou a Vilma uma rara emoção. “Foi o momento mais marcante da minha carreira. Eu fui para a avenida morrendo de medo de ser vaiada por estar desfilando em outra escola. Mas o povo das arquibancadas gritava o meu nome. Desfilei chorando. O povo da Portela fica meio chateado quando falo, mas a maior emoção da minha carreira eu vivi na União da Ilha”, revela.

Vilma na Tradição - Reprodução - Reprodução
Vilma na Tradição
Imagem: Reprodução

No ano seguinte, juntou-se ao cunhado Nésio e a dirigentes expulsos da Portela e fundou a Tradição. A escola do vizinho bairro de Campinho teve uma ascensão meteórica e, em 1988, chegou ao Grupo Especial, firmando-se de vez após os anos 1990. Vilma voltou a desfilar como porta-bandeira pela nova escola, onde fazia de tudo um pouco. “Fazíamos verdadeiros mutirões para fazer os carros alegóricos e fantasias. A Tradição surgiu para se contrapor ao autoritarismo que existia na Portela. E valeu a pena por muitos anos. Quando vi que certas práticas estavam se repetindo, voltei para a Portela”, relata.

Hoje, Vilma é parte fundamental da história e do dia-a-dia portelense, estando sempre presente nos eventos e desfiles da escola. E o legado ficou para as gerações seguintes. Sua filha, Danielle, foi porta-bandeira da escola até o Carnaval 2017 e, neste ano, foi nota máxima no Paraíso do Tuiuti. A neta Camylinha é a segunda porta-bandeira da Portela e será a primeira da Unidos da Ponte no próximo Carnaval. E a bisneta, Clarice, de 10 anos, já faz aulas para seguir na mesma trilha.

Questionada sobre o ofício de porta-bandeira, Vilma considera que o estilo de dança e as condições de trabalho mudaram muito. “Antes, dançávamos a avenida toda e o estilo era bem mais livre. Hoje é tudo marcado, coreografado, com passos de balé e só se dança em frente aos jurados. Por outro lado, as meninas têm muito mais condições de preparação”, considera. Para as novas dançarinas, Vilma tem um conselho: “Disciplina, amor pelo que faz e humildade, acima de tudo”.

Anderson Baltar