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Após corte de Crivella, Rio esquenta tamborins para Carnaval de resistência

Bloco "Loucura Suburbana" retrata Crivella com chifres de diabo - AP Photo/Silvia Izquierdo
Bloco "Loucura Suburbana" retrata Crivella com chifres de diabo Imagem: AP Photo/Silvia Izquierdo

Da AFP, no Rio

09/02/2018 11h24

Os cortes do prefeito evangélico Marcelo Crivella poderiam ter aguado a festa, mas os cariocas decidiram contra-atacar: o Rio de Janeiro se prepara para abrir oficialmente, nesta sexta-feira (9), um de seus carnavais mais contestatários, com críticas abertas à corrupção e à onda conservadora no Brasil.

Não adiantam disfarces, nem artifícios. As críticas vêm tanto dos blocos de rua quanto das escolas de samba, que tiveram de se virar para realizar o "maior espetáculo da Terra" com metade das subvenções.

Crivella justificou estes cortes com a crise financeira que abala a cidade e o estado, mas os amantes do carnaval não esquecem que o bispo licenciado da Igreja Universal não comunga dessa festa de excessos e sensualidade, e o acusam de contrariar uma tradição sagrada, que atrai mais de um milhão de turistas e gera R$ 3,5 bilhões para a cidade.

No ano passado, recém-empossado no cargo, Crivella não compareceu e evitou pisar na Marquês de Sapucaí, tornando-se o primeiro prefeito a não assistir aos desfiles desde a inauguração do Sambódromo, em 1984.

"Fora Crivella", dizia a camiseta com que desfilou o multitudinário bloco "Simpatia é quase amor", em Ipanema, durante o pré-Carnaval.

E, se os blocos prometem boa dose de críticas, no domingo (11) e na segunda (12) de Carnaval, as 13 escolas do Grupo Especial terão uma visibilidade ainda maior durante os desfiles na passarela do samba.

Entre vampiros e bafômetros

"Com dinheiro, ou sem dinheiro, eu brinco!", diz o enredo da Mangueira, que dará outro recado no refrão de seu samba: "Pecado é não brincar o Carnaval!".

"Para a doutrina evangélica, o carnaval é a festa do diabo. O evangélico pode achar isso, mas o prefeito da cidade do Rio de Janeiro não pode", disse à AFP o diretor artístico da Mangueira, Leandro Vieira.

Embora Crivella seja alvo de boa parte das críticas, o Carnaval na Sapucaí sacode a poeira de seu lado mais reivindicativo, longe dos desfiles patrocinados, e abordará também os tempos difíceis que o Rio e o Brasil atravessam.

Símbolo desta mudança, a Beija-flor vai se inspirar na figura do Frankenstein para encarnar o "monstro" corrupto, abandonado e intolerante em que, a seu ver, o país se tornou, exibindo políticos de terno e gravata atrás das grades.

A Paraíso do Tuiuti abordará, por sua vez, o tema da Abolição da escravidão, do racismo e dos direitos dos trabalhadores, encerrando seu desfile com a figura de um vampiro, uma alusão ao presidente Michel Temer, que empreendeu uma série de reformas pró-mercado desde que assumiu o poder em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff.

A Portela, que dividiu o título de campeã com a Mocidade no ano passado, vai refletir sobre a imigração, com a história dos judeus expulsos do Brasil, que ajudaram a fundar Nova York, enquanto a escola de Padre Miguel levará para a avenida um desfile inspirado na Índia.

Outro ponto central dos desfiles será a segurança, depois da acidentada edição do ano passado, quando a parte superior de um carro alegórico da Unidos da Tijuca desabou com vários componentes que sambavam na estrutura, e outro carro, da Paraíso do Tuiuti, perdeu o controle e atropelou várias pessoas na pista, causando a morte de uma jornalista.

Teoricamente, este ano houve uma fiscalização maior nas escolas, e haverá mais controle nos dias de desfile. Crivella prometeu ir ao Sambódromo, "não para sambar", mas para checar a infraestrutura e adiantou que os motoristas dos carros alegóricos deverão fazer o teste do bafômetro antes dos desfiles.

"Não é não"

Nas ruas do Rio e também em Salvador, Olinda e São Paulo, a festa já começou há semanas, regada a música, cerveja e purpurina.

Mais uma vez, as pessoas têm demonstrado uma enorme criatividade na confecção das fantasias: embora quem não quer esquentar muito a cabeça opte pelo onipresente unicórnio, os mais criativos podem se vestir de Bitcoin, do mosquito da febre amarela, ou de malas de dinheiro, por exemplo.

E, enquanto as autoridades vão distribuir mais de 100 milhões de preservativos para a festa, em meio à polêmica mundial sobre o assédio #MeToo, as brasileiras têm seu lema próprio no Carnaval, o "Não é não", que exibem com tatuagens temporárias no corpo.