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Blocos de rua

"Síndica da Roosevelt" quer "ouvir pássaros" no Carnaval da praça em SP

A professora Marta Lilia Porta, 53 anos, quer mais organização dos "megablocos" - Mateus Araújo/UOL
A professora Marta Lilia Porta, 53 anos, quer mais organização dos "megablocos" Imagem: Mateus Araújo/UOL

Mateus Araújo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

19/01/2018 04h00

Na contramão dos milhões de foliões (no ano passado, segundo a prefeitura, foram 3,5 milhões) que brincam Carnaval em São Paulo, a professora Marta Lilia Porta, 53 anos, só quer sossego. Segundo ela, com o boom de blocos de rua, a alegria muitas vezes cede espaço para a desordem. “Meu Carnaval dos sonhos é como te falei: voltar a sair atrás de um pequeno bloco para comemorar ou poder olhar da minha sacada; não ter que ficar chamando a polícia para poder dormir; poder ver passar um megabloco, organizado, e quando acabar, só escutar o barulho dos pássaros.”

No ano passado, foi Marta quem esteve à frente das ações no Ministério Público que levaram a gestão João Doria (PSDB) a publicar uma portaria municipal proibindo concentração e dispersão de blocos na Praça Roosevelt, centro da capital. Argentina radicada no Brasil há quase 20 anos, a professora é uma espécie de “síndica” da Roosevelt: durante todo o ano, faz marcação cerrada contra o barulho dos bares, fecha o cerco aos skatistas, fiscaliza as aglomerações de gente por ali e cobra da prefeitura uma campanha de conscientização de limpeza do lugar. Hoje, segundo Marta, o espaço sofre com a superlotação de pessoas “mal-educadas por si só”.

Tem pessoas que vêm de Itaquera, da zona leste, de Caieiras e até Mogi das Cruzes; vêm de lugares que dizem não ter praças. Mas vou te dizer: essas pessoas são mal-educadas por si só

“Aqui a polícia não pode fazer nada, porque sai vídeo (na internet) no dia seguinte, dizendo que a polícia foi truculenta. É gente que não tem dinheiro; compram bebida dos ambulantes por R$ 3, compram pizza de R$ 10 e, como não têm transporte público, ficam até o dia seguinte.”

19.fev.2017 - Imagem aérea do Acadêmicos do Baixo Augusta, que saiu no domingo pré-Carnaval na rua da Consolação, em São Paulo - Marcos Camargo/UOL - Marcos Camargo/UOL
Acadêmicos do Baixo Augusta se tornou um dos blocos mais disputados de SP
Imagem: Marcos Camargo/UOL

“Não podemos comparar o Carnaval de São Paulo com o de Salvador e Olinda"

Até 2010, diz a professora, o Carnaval na Roosevelt era tranquilo. “Só tenho memória boa”, frisa, embora fizesse o estilo foliona passiva, daquela que olhava da sacada do apartamento os pequenos blocos que passavam pela praça ou arriscava descer e acompanhar um curto trajeto. “Tinham respeito pela vizinhança. A praça [antes de uma reforma, em 2012] não tinha espaço físico para blocos; passavam poucos, uns quatro”, explica Marta Lilia Porta.

Ela reclama que a partir de 2014 o negócio desandou. “Entramos no Ministério Público porque foi o pior ano que tivemos no Carnaval”, conta. “O bloco do Baixo Augusta prometeu que não ia parar na Roosevelt. Às 22h, o trio elétrico estava parado na [esquina da rua Augusta com a rua] João Guimarães Rosa, e nós ligando para a polícia. Outro bloco veio, eu desci com a Guarda Civil, e o dono estava bêbado e drogado, tentou me agredir na frente dos guardas”.

O presidente do Acadêmicos do Baixo Augusta, Alê Youssef, no entanto, contrapõe as declarações de Marta. “Em 2014, tínhamos autorização formal da prefeitura para desfilar na rua Augusta, virar à esquerda na Roosevelt e encerrar o desfile na praça. De lá pra cá, nós tomamos todos os cuidados e deixamos de encerrar o desfile no local”, lembra ele. “Em 2016, primeiro ano que o bloco desfilou na Consolação, terminamos junto da Avenida São Luis, ou seja, passando a Roosevelt. Em 2017, só não terminamos o desfile na São Luis por que houve um erro da CET que nos obrigou a virar à esquerda na rua Rego Freitas e encerrar próximo à praça, contra nossa vontade.”

A alegria e a democratização do Carnaval perdem espaço na memória de Marta Porta, em meio às lembranças que ela narra. “Tinham umas dez pessoas fazendo sexo na porta de uma garagem, não deixando sair os carros; um dia, precisei da ajuda da polícia para tirar vendedores ambulantes e pessoas que estavam na rua desmaiadas para poder estacionar o carro.” A professora integra duas entidades de representação dos moradores da região. Está há 7 anos na presidência da Associação dos Moradores e Amigos do Bairro da Consolação, com 300 associados. Já no Conselho Comunitário de Segurança do Estado, cumpre seu segundo mandato bienal, eleita por parte dos 20 membros efetivos.

Leandra Leal e o marido, Alê Youssef, presidente do Baixo Augusta - Thiago Duran/AgNews - Thiago Duran/AgNews
Leandra Leal e o marido, Alê Youssef, presidente do Baixo Augusta
Imagem: Thiago Duran/AgNews

Desde 2014, ela foi recolhendo fotos, vídeos e assinaturas de algumas das pessoas que vivem na região, para poder pressionar a prefeitura sobre o controle da Roosevelt. Chegou a denunciar o ex-prefeito Fernando Haddah (PT) por improbidade administrativa, por não atender às solicitações do conselho. Com Doria, defende que a situação melhorou. “Eles nos escutam, nos recebem, nos ajudam”, mas ainda assim ela acredita que nada vai mudar com relação aos problemas do Carnaval, mesmo com a praça proibida para uso. “Não vejo vontade da secretaria das prefeituras regionais de realmente fazer algo.”

A proibição de uso da praça Roosevelt já respingou até em eventos tradicionais do local, como o festival de artes cênicas Satyrianas, que em 2016 chegou à sua 18ª edição e foi impedido de fazer apresentações de teatro, circo e música na praça. “Olha, o genocídio dos judeus também tem história e ninguém quer falar. Nem tudo que foi história foi bom. Eu participei dos Satyrianas até 2010, até que passaram a colocar na praça recitais de músicas, com som alto, que não têm nada a ver com o que as pessoas estão acostumadas a ouvir.”

Com o Carnaval se aproximando, Marta já se preparar para cobrar seus direitos. Diz que o Centro não suporta mais os “megablocos”. “Não podemos comparar o Carnaval de São Paulo com o de Salvador e Olinda; a quantidade de pessoas nessas cidades é bem menor do que a que circula aqui”, exemplifica. No ano passado, as prefeituras do Recife e de Olinda somaram 4 milhões de pessoas nos quatro dias de Carnaval. Já em Salvador, o número é de aproximadamente 3 milhões de foliões.

“Você sabe quando surgiu o Sambódromo? Quando as Escola de Samba estavam fazendo na cidade o que fazem agora os megablocos”, destaca, se referindo à criação da passarela do samba paulistano, inaugurada em 1991 pela ex-prefeita Luiza Erundina. “Megabloco tem que circular em um lugar que a cidade não pare.”

Do outro lado, a demanda

O desfile dos blocos nas ruas de São Paulo são uma demanda da população da cidade, como afirma Alê Youssef. “Os megablocos têm desfilado em grandes ruas e avenidas como Consolação, Ipiranga, Rio Branco, São João e Xavier de Toledo, que certamente comportam essa demanda, como comprovado pela Parada do Orgulho LGBTQ, que há mais de 20 anos percorre o centro da capital com mais de 1 milhão de pessoas”, lembra. “A população quer Carnaval e tem direito de usar esses espaços públicos.”

“A população quer Carnaval e tem direito de usar esses espaços públicos.” Alê Youssef

Para Youssef, impedir eventos na Roosevelt foi “um dos maiores absurdos que a gestão municipal conseguiu cometer”. Ele justifica que a proibição aumenta a insegurança e contraria a identidade histórica do local. “A Roosevelt tem uma história vinculada à cultura da cidade que vem desde o pós-guerra, quando surgem as manifestações culturais dos teatros e das casas de espetáculo tanto da Augusta quanto da praça. Depois disso, foi a Satyrianas que transformou a praça Roosevelt, reforçando a necessidade de uma revitalização do espaço”, frisa. Ainda segundo ele, graças aos movimentos culturais e a essa revitalização, os moradores da Roosevelt tiveram um aumento de mais de 300% no valor de seus próprios imóveis.