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Blocos de rua

Aos 71, ritmista do Monobloco usa "porrada" na bateria para extravasar

Vera Parente, 71, e Débora Ferreira, 26, ritmistas do Monobloco - Janaína Nunes/UOL
Vera Parente, 71, e Débora Ferreira, 26, ritmistas do Monobloco Imagem: Janaína Nunes/UOL

Janaína Nunes

Colaboração para o UOL, em São Paulo

30/01/2018 04h00

Aos 71 anos, Vera Parente não quer saber mais de terapia com remédio. Quando precisa extravasar, a artista visual tem a solução perfeita: batucar. "É uma terapia limpa, alivia e alegra. E para ajudar, toco o surdo de segunda para poder dar porrada mesmo. Assim libero tudo de ruim de uma vez", dispara.  Ela é a mais velha integrante do Monobloco, grupo que frequenta há quatro anos e desfila há dois anos em São Paulo.

Baiana (de Salvador) e filha de músicos, Vera sempre gostou da folia e tocava em outros blocos. "Mas no Monobloco é diferente. É uma energia, uma troca. As pessoas são ótimas, os mestres são responsáveis e didáticos. Enfim, é uma felicidade. A gente pode até chegar aborrecida, mas nada que uma porrada no surdo não mude. A gente sai relaxada. Quem dera todo mundo pudesse experimentar". Vera não falta a nenhum ensaio do bloco, que ocorre toda quarta-feira a partir de meados de abril.

A alegria de Vera é tão contagiante e ela toca com tanta concentração e prazer que ganhou o apelido de rainha. No caso, a “coroa” da baiana seria esse tambor, conhecido como o coração de uma bateria. "O peso do surdo é o peso de uma gravidez. Às vezes, as pessoas se espantam ao me ver tocando, incluindo a família, mas eu não ligo. Sou batuqueira mesmo, gosto do sereno também". No dia em que conversou com a reportagem, o marido de Vera havia passado mal. Ela correu para ajudá-lo e voltou assim que o companheiro melhorou para o ensaio. "Só vim porque ele mandou", brinca.

Monobloco - Vera Parente - Janaína Nunes/UOL - Janaína Nunes/UOL
Aos 71 anos, Vera Parente usa energia da bateria para extravasar
Imagem: Janaína Nunes/UOL

Ao contrário dos familiares de Vera, a estudante Débora Ferreira, 26 anos, não teve uma reação negativa quando viu uma mulher tocar um surdo no Monobloco. Passou longe disso. "Sempre quis tocar. Faltava um empurrão. Vi um desfile e me encantei. Amei a empolgação e quis entrar. Poderia ter escolhido o tamborim, mas quando o surdo passou por mim, me apaixonei e pensei: é isso o que eu quero", conta. Ela é a mais nova integrante do bloco. Começou a ensaiar no meio do ano e está ansiosa para o Carnaval. "Sou iniciante. Toco surdo de primeira e tenho ótimos professores. Evoluo a cada ensaio e isso me dá segurança, mas estou com frio na barriga só no dia".

A família de Débora fica impressionada com sua empolgação e dedicação ao grupo. Para ajudar na postura ao carregar instrumento, ela faz academia. "Preciso fortalecer a lombar", acrescenta. Ela está presente em todos os ensaios. "É um compromisso como qualquer outro. A diferença é que é bem mais divertido. A gente sai leve daqui. A vida flui melhor. É uma vibe bem diferente de tudo que já fiz", completa.

O Monobloco surgiu no Rio de Janeiro e está comemorando 18 anos de existência. De presente ganhou uma música de Moraes Moreira, "Amor de Carnaval", que vai embalar ao lado de outras canções, a festança no Rio, em Minas Gerais e em São Paulo. Na capital paulista, o grupo (com 150 ritmistas) desfilará pela terceira vez consecutiva (no dia 4). No ano passado, ele arrastou 70 mil foliões no Ibirapuera. A ideia é repetir o feito.

"Por experiência própria, digo que é impossível não se apaixonar", completa Débora.