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Anderson Baltar

Beija-Flor: Desfile com leveza e foco na temática é caminho sem volta

Cid Carvalho e Alexandre Louzada, carnavalescos da Beija-Flor - Eduardo Hollanda / Divulgação
Cid Carvalho e Alexandre Louzada, carnavalescos da Beija-Flor Imagem: Eduardo Hollanda / Divulgação

Especial para o UOL, no Rio

20/02/2020 11h20

Para se redimir do 11º lugar obtido no Carnaval 2019, a Beija-Flor de Nilópolis voltou-se ao passado recente. Desmanchou o modelo de Comissão de Carnaval, implantado há mais de 20 anos, e contratou dois carnavalescos que ganharam títulos na agremiação. Cid Carvalho e Alexandre Louzada comandam o barracão da azul e branca com o olhar voltado para a recondução da escola para a disputa pelo campeonato.

Com o enredo "Se essa rua fosse minha", a Beija-Flor encerrará os desfiles de segunda-feira —uma posição que cria uma expectativa positiva, já que a escola sempre foi campeã neste horário.

Em entrevista à coluna, Cid e Louzada falam sobre o processo de construção do desfile e dão pistas do que veremos na Marquês de Sapucaí.

O Carnaval mudou e os patrocinadores sumiram. Isso acarreta uma mudança estética?

Louzada - Não é só pela escassez de recurso. O novo sempre vem. Não cabe mais fantasias pesadas, todos querem mais leveza e leitura mais fácil. O Carnaval de Beija-Flor já tem coisas que vão por essa linha. Na verdade, eu já estava assim na Mocidade, procurando novas linguagens. A gente não pode parar no tempo.

Pelo que reparei, o visual é mais clean.

Cid - Talvez seja uma opção que a crise nos fez abraçar. Não que a Beija-Flor venha em um nível abaixo do habitual. Mas, com essa linguagem, a produção é mais rápida e o custo, mais baixo. E é uma opção nossa de deixar uma escola mais limpa, sem aquele "entulho" nos componentes, para facilitar a evolução.

Mesmo que amanhã os patrocinadores voltem, vocês acham que o Carnaval voltará às soluções antigas, ou esse novo momento, mais leve e criativo, com enredos mais culturais, chegou para ficar?

Cid - Acho que sim. A essência da escola de samba é levar conhecimento para o povo. Não é só a folia, tem que ter conteúdo. Quando, por falta de patrocinadores, voltamos a apostar na temática, com mais peso cultural, acho que é um caminho sem volta. E espero sinceramente que seja. Não tem como ter viagem na maionese. O público tem que observar o desfile e entender o que está passando.

Esse é um enredo muito amplo. Do que podemos esperar do seu desenvolvimento?

Louzada - Quando falamos em rua, pensamos no espaço físico. Mas toda rua já foi um caminho, uma trilha. O enredo começa na última era do gelo, quando o homem de Cro-Magnon, que era nômade, sempre procurava um lugar melhor para viver. Falamos da Mesopotâmia, da criação da roda, das rotas dos povos da antiguidade, até chegar à República Romana, que criou a Via Ápia, a primeira estrada como conhecemos hoje. Existem caminhos que não são só pela terra. Falamos das descobertas marítimas e da chegada ao Novo Mundo. Os espanhóis descobriram os mais de 2.000 km de estradas dos incas, que iam do Peru à Argentina. Falamos dos caminhos abertos pelos bandeirantes e da abertura da Estrada Real, que ligava as Minas Gerais até o mar.

No Rio, tivemos o primeiro calçamento de rua, na ladeira da Misericórdia, que mostraremos em um carro em homenagem às ilustrações de Debret. Depois, mostraremos que as ruas e estradas são palco de peregrinações, procissões e romarias. Falaremos das ruas como cartões postais do mundo, como a Champs-Elysées, a Broadway, Abbey Road, Caminito e o calçadão de Copacabana. Abordaremos os caminhos que existem em nossa imaginação, como a Torre de Babel e o Labirinto de Minotauro. E a rua mais importante do Carnaval, que é a Sapucaí. Cada um que entra nela percorreu um caminho para chegar até lá.

Vocês têm uma história marcante com a Beija-Flor, ganharam vários títulos. Mas, naquela época, vocês integravam uma Comissão de Carnaval. Hoje, vocês são os carnavalescos. No que isso modifica a forma de trabalhar?

Louzada - Só mudou a nomenclatura, até porque as pessoas que faziam parte da Comissão ainda estão aqui e têm bastante liberdade para trabalhar. Eu converso muito com eles. E eu voltei desarmado de vaidade. Não preciso provar nada para ninguém. Para mim é indiferente ser da Comissão ou ser carnavalesco. Estava em busca de uma tranquilidade para trabalhar.

Cid - Temos sete títulos aqui, é uma longa história. Eu acho que não muda muita coisa ser carnavalesco, porque, na época em que éramos da Comissão de Carnaval, já havia um direcionamento do trabalho para a gente. O que muda agora é que estamos mais rodados, experientes, cada um com a sua trajetória. Apostaram em uma briga de egos e nada disso aconteceu. O clima é de muita tranquilidade, estamos muito afinados.

Como foi a divisão de tarefas?

Cid - O projeto foi feito em conjunto, as linguagens se casaram. Como o conjunto de fantasias da Beija-Flor é muito grande e precisa de um olhar mais próximo para o andamento do processo e adequações, estou um pouco mais ligado nas fantasias e ele nos carros. Mas temos um diálogo muito grande.

Beija-Flor encerrando o Carnaval sempre foi campeã. Qual a expectativa de manter a escrita?

Cid - Temos uma tradição de fazermos desfiles arrebatadores nesse horário, mas procuramos não pensar em título. Nossa responsabilidade é resgatar grandes Carnavais. O 11º lugar do ano passado machucou e é uma página que queremos virar. Vamos resgatar a identidade da escola e apresentar um Carnaval para que o povo nilopolitano se sinta orgulhoso.

Anderson Baltar