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Rio de Janeiro

Após atrasos, Portela e Mocidade fazem um único ensaio técnico na Sapucaí

Carolina Farias

Colaboração para o UOL

05/02/2018 08h51

Problemas de som no carro dos músicos quase impediram a realização do ensaio técnico de Mocidade Independente de Padre Miguel e Portela, escolas que dividiram o título de campeãs do Carnaval 2017. O ensaio testou a iluminação e também a sonorização da avenida. Por conta do imprevisto, os ensaios começaram com duas horas e meia de atraso.

A primeira escola a fazer o ensaio foi a Mocidade, não sem antes notar o problema. O atraso ocorreu porque técnicos tentavam identificar como resolver o que atrapalhava o som – por ao menos três momentos, durante a cerimônia de lavagem da Marquês de Sapucaí, o som da avenida falhou.

“Estamos aqui para testar a luz e o som e ele ainda não está bom. Vamos ficar aqui até consertar e ficar da altura que vocês merecem. Estamos na batalha para fazer o melhor possível e pedimos desculpas à Portela”, disse ao microfone para o público Rodrigo Pacheco, vice-presidente da escola de Padre Miguel.

Após a fala do membro da cúpula da escola o público reagiu gritando “Fora Crivella”, em uma manifestação contra o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que não participou do evento e foi representado pelo presidente da Riotur, Marcelo Alves.

O vice-presidente da Portela, Luís Carlos Magalhães, também falou ao público na sequência. “Estamos solidários com a Mocidade e vamos esperar o quanto for”, disse.

Mais tarde, Magalhães minimizou o ocorrido. “Hoje pode acontecer isso, é normal. Não pode é no dia do desfile. Os ensaios fizeram falta principalmente para o público”, lembrou o vice da azul e branco.

A carnavalesca da Portela, Rosa Magalhães, também alegou que falhas nos ensaios são normais. “É natural que essas coisas aconteçam. Por isso é bom se fazer o teste hoje”, afirmou enquanto observava a avenida. “Esse fio sobre a pista, não tinha, tem que tirar”, acrescentou.

A não realização dos ensaios técnicos neste ano foi lembrada com crítica pelos integrantes das escolas. Antes da apresentação das escolas, a cantora Alcione cantou “Não deixe o samba morrer” e faz um discurso breve, mas certeiro sobre o atual momento.

“Não é bonito, não é legal, não é carinhoso não ter os ensaios técnicos das escolas. É uma maldade ao mundo do samba”, desabafou a cantora.

“O maior prejudicado foi o público porque já era uma festa tradicional. Agora é como se a festa estivesse pela metade. Mas nós da Portela vamos com tudo. Estou preparada para o bicampeonato”, declarou a animada Tia Surica, integrante tradicional da escola de Madureira, na zona norte do Rio.

As rainhas de bateria também usam os ensaios técnicos para avaliar a reação do público à apresentação da escola. “Nós vemos como a energia do público circula pela escola. É uma avaliação importante. Sem os ensaios fica difícil”, afirmou Camila Silva, rainha dos ritmistas da Mocidade.

Bianca Monteiro, que reina à frente da bateria da Portela, lamentou pelas outras escolas que não puderam fazer os ensaios. Ela foi vestida de estátua da Liberdade e contou sobre o motivo da fantasia.

“Vim com essa roupa porque o samba precisa de liberdade. Não pode retroceder”, declarou Bianca, que teve sua imagem retratada na roupa dos ritmistas.

As escolas entraram na avenida e fizeram um bom espetáculo ao público que teve paciência de esperar – as arquibancadas não estavam totalmente cheias, havia diversos trechos vazios, principalmente depois do setor 5.

“Foi um ano de preparação para hoje. Foi complicado por causa da crise, mas estamos aqui. Vemos que têm setores vazios. Acho que pela falta dos ensaios aqui e pelo crescimento do Carnaval de rua”, afirmou Henrique Silva, assessor da presidência da Mocidade.

Os integrantes das escolas cantaram os sambas a plenos pulmões e muitos usavam fantasias com muito brilho.

A Mocidade lembrou de sua comissão de frente em 2017 e levou o Aladim que novamente sobrevoou a Sapucaí. Já a Portela, para homenagear as outras agremiações, levou integrantes das velhas guardas da Mangueira, Unidos da Tijuca e Mocidade.

O desfile de somente duas escolas no ensaio técnico não serviu para atenuar a mágoa dos foliões.

“É triste, está muito vazio, nunca foi assim. Sempre fui aos ensaios. É triste termos um prefeito que disse que não ia misturar religião com a prefeitura, mas misturou”, disse Ivete Amorim, integrante da Unidos da Tijuca, atribuindo a uma decisão do prefeito Marcelo Crivella a ausência dos ensaios técnicos, que foram cancelados neste ano por decisão da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba).

“Os ensaios fazem falta. Mas hoje aqui foi lindo. As escolas se apresentaram muito bem”, declarou Maria Inês Alves, também da Unidos da Tijuca.

Todos os santos

Antes do ensaio, baianas de todas as escolas de samba dos grupos especial e de acesso fizeram a tradicional lavagem da Marquês de Sapucaí com muita água de cheiro e ervas. A cerimônia, com participação de integrantes da igreja católica, da umbanda e do candomblé, além do sincretismo, teve uma tônica de protesto.

“Hoje é dia de respeitar o samba, o jongo, a festa. É uma demonstração de resistência porque sobrevivemos à escravidão, à perseguição da polícia no início do século 20, mas vamos viver ao que esse prefeito está fazendo hoje. Não podemos permitir o avanço do racismo e fascismo. Aqui é a celebração da diversidade”, afirmou Santos.

Tia Lúcia, baiana conhecida na cidade – ela nem mais se identifica pelo nome completo Lúcia Maria dos Santos – explicou o significado do ritual.

“É água de cheiro, colônia de Oxum. Os orixás todos pedem paz, está tudo muito violento. Todos os anos nós pedimos. Os orixás também pedem que os governantes cuidem do povo como filhos deles, os brasileiros. Estão morrendo muitos jovens”, disse a baiana de 86 anos, uma vida inteira de samba. “Minha avó era amiga da Tia Ciata”, falou ela sobre a baiana que reunia os primeiros sambistas em sua casa, no início do século 20.

O presidente da Riotur, Marcelo Alves, disse que Crivella deve ir ao sambódromo neste ano. Em 2017, o prefeito não abriu a cerimônia, sem entregar a chave da cidade para a corte do Carnaval – ato feito por Alves.

“Ele falou que deve vir sim. Estamos aguardando. Espero que ele estando aqui ele cada vez mais curtir o Carnaval como ele curte, nos apoiando e fazendo com que o Carnaval cresça. Esse é nosso desejo, fazer desse espetáculo e do Carnaval de rua o maior evento do mundo”, afirmou.